segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Mercúrio

Foi na oitava série. No colégio, esse era o ano das surpresas laboratoriais. Minha turma, guiada por um professor completamente desanimado com a aula, se inaugurava nas investigações da Química, brincava com papéis que mudavam de cor, fugia do cheiro áspero que alguns frascos inocentes teimavam em liberar. Tudo era novo e meio mágico. Mas nada se comparava ao que eu veria a seguir. De um armário baixo e meio escondido, o professor retirou um frasquinho de vidro. Não revelou que todo o desejo de uma pessoa poderia caber num frasco tão pequeno. Abrindo a tampa com indiferença, pôs, sobre a bancada de madeira, uma gota do líquido que havia no recipiente. Estupefata, vi uma esfera prateada deslizar sobre a plataforma sem deixar rastro, enquanto ele dizia: "o mercúrio é o único metal líquido." Aquilo era uma gota de felicidade! Nunca antes eu havia visto uma coisa tão linda e tão vulnerável... Era tudo o que eu queria tocar. E toquei. Imediatamente, a gota se desfez em inúmeras esferas que se espalhavam, como mágica, pela mesa. O professor, notando meu desespero, começou a reunir as gotinhas com as mãos e, à frente do meu olhar incrédulo, refez a esfera anterior. Ela estava intacta, formada completamente do impossível! Foi aí que decidi: eu seria a dona daquele metalzinho simpático. Ele me escolhera. Após a aula, cometi o delito: com duas coleguinhas, entrei furtivamente no laboratório e coloquei uma grande gota de mercúrio na palma da mão, enquanto elas vigiavam a entrada. Saí feliz e criminosa, e, como não há felicidade em que não se corra, corri, mas, como não há crime que não mereça sua punição, tropecei e derrubei a esfera prateada no chão do pátio. Ela se partiu em centenas de gotinhas - como meu coração fora da lei... Fugi com medo de ser apanhada em flagrante e, quando cheguei ao andar superior da escola, tentei ver o que teria acontecido ao meu ensaio de felicidade. Foi então que vi os olhos do zelador se arregalando de espanto enquanto ele varria minúsculas gotinhas, as quais, obstinadamente, se juntavam e cresciam em redondeza. Foi por isso que me perdoei: meu delito se transformara no meu primeiro ato gratuito de generosidade - eu deixava com aquele homem encantado a minha gota mágica. Me perdoo também pelo motivo óbvio: nunca me descobriram e, assim, escapei dos castigos. E, principalmente, me perdoo porque, algum tempo depois, encontrei um meio mais lícito de reaver meu tesouro - e assim quebrar termômetros se tornou um hobby. Até que minha mãe, sem entender por que tinha uma filha tão desastrada, decidiu só usar em casa termômetros digitais, me forçando a ir procurar a felicidade em outros - e mais complicados - lugares... 

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