sábado, 9 de outubro de 2010

Papel de gaveta

Escute, Guilherme, esse é o som que passa pelo meu coração todas as manhãs, quando acordo já pensando em você. Está ouvindo? Sim, sim, é o som do vento, isso mesmo. É também o som do sol às quatro da tarde, em frente a um rio ou ao mar. É a imagem de água profunda, rebrilhando aos últimos raios de sol, enquanto o vento sopra... Agora você entende? É por isso que não consigo abandonar você – porque te sinto com meus sentidos de dentro. Não sei como você chegou a essa área de difícil acesso, que foi tão pouco habitada ao longo da minha vida. Mas sei que devo agradecer: há muito tempo ninguém passava por aí e isso já me fazia duvidar da existência do caminho. Você chegou cedo e eu já vou tarde, nossos espaços coincidem, mas nossos tempos não... Por isso sei que não devo te pedir para ficar, nem posso me oferecer para ir. Mas esse aparente problema não nos incomoda, não é? Sinto que não. Somos, de certa forma, a mesma procura, a própria busca pelo que virá. Não há encontro entre caminhos paralelos, também não se responde a uma pergunta com outra – mas nada impede que entre elas haja eco. E nada impede que o eco siga seu caminho. Dizem os matemáticos que retas paralelas se encontram no infinito porque, dizem os físicos, o espaço é curvo. Por isso preciso te confessar: o infinito é minha maior necessidade. Algo me diz que nossos caminhos paralelos tiveram seu breve encontro no infinito em mim. Os matemáticos e os físicos não sabem dizer se esse fenômeno se repete, e a maioria deles nunca teve a experiência em si e segue repetindo o que dizem os livros. Mas eu não sou matemática nem física, o que experimentei me veio da poesia do vento, um vento que tocava jazz e bossa quando você passava. Como agora, quando estou dizendo isso ao tu que permanece comigo enquanto você segue com sua vida. Porque eu sei quando amo alguém. É assim: esse alguém vai embora, e continua comigo.