sábado, 26 de março de 2011

Morro-do-Pico

“Não sei quem me lê: tive a necessidade de escrever esta carta e enviá-la a um destinatário qualquer – que selecionei, sem critério algum, na lista telefônica – para tratar de um assunto de extrema importância, uma descoberta que fiz hoje. Em visita a um arquipélago na costa nordeste do Brasil, deparei-me com o Morro-do-Pico e tive de fotografar com palavras a grande metáfora de terra e pedra que se erguia em minha frente. Prezado alguém que me lê, saiba que este é um assunto urgente, que só pode ser compreendido por quem vive e apalpa o ar ao redor de si, tentando entender. Portanto, se você não é desses, coloque a carta em outro envelope, copie um endereço qualquer no verso e a ponha no correio. Mas se você quer entender, mesmo que não saiba o quê, guarde este mistério: no Morro-do-Pico, de cada ângulo que se olha, de cada ponto onde alguém se posta, o morro muda, torna-se irreconhecível, suas cores se transgridem e se mesclam. E cada vento que sopra carrega em si cores novas que despeja sem piedade sobre a montanha. Para entender bem a vida, é preciso uma volta pelo Morro-do-Pico. Porque a vida é um morro como aquele. A cada vento, a cada passo, a cada escolha, a paisagem muda. Por isso, não importa quem você seja, não importa onde more, o que faz da vida nem quem tem ao seu lado – só importa para onde você olha de cima do Morro-do-Pico. É tudo uma questão de onde está e de para onde aponta o seu olhar. Como naquele dia em que alguém, em cuja testa tatuei “meu amor”, se foi (alegando sentimento desgastado) e eu fiquei (defendendo com palavras sangrentas meu orgulho em carne viva): os olhos dele a leste e os meus a oeste, mirando a mesma Praia-da-Vaidade. Ou como quando minha vida implodiu e só sobraram cacos espalhados: meu olhar apontado para o sul, vendo a Baía-da-Desesperança. Ou ainda como o dia, o amanhã de antigas feridas, em que alguém me sorriu com amor novamente: eu olhando em direção ao norte, testemunhando o Cabo-do-Eterno-Retorno. Ou quando frequentemente renovo minhas esperanças no mundo, na vida e na humanidade – incluindo, em grande parte, a mim mesma: meu olhar apontado para o cume do Morro-do-Pico-da-Vida. Para se guiar nesse morro, não é preciso mapa ou bússola – basta aprender a virar a cabeça com o vento e olhar em todas as direções... E agora que o vento lhe trouxe o segredo do Morro-do-Pico, mova a cabeça e escolha para onde vai apontar seu olhar. Mas lembre-se: a cada vento, a paisagem continuará a mudar... Então, sem desespero, mude também o foco.”

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