sábado, 7 de abril de 2012

Entrecortados

E o mundo escurecia. De fora para dentro, numa imagem circular. Luzes brilhavam em tons de vermelho, no centro do círculo. Seus sentidos, todos embotados, não eram guias seguros, mas eram os que tinha. Tateando, encontrou um fio dourado - seria útil para guiar seus sentidos? - um fio em meio ao labirinto obscuro. Perdia a consciência, aos poucos, sem deixar de perceber e calcular o que ocorria: algo pensava em como chegar até a cama, após diagnosticar uma queda de pressão. As luzes vermelhas cediam espaço ao marrom aveludado de promessas descumpridas. Sua vida era recortes coloridos, que costuraria num colcha sobre a qual deitaria quando alcançasse a cama. Mãos a seguravam: três pessoas, seu tato lhe dizia. Já não havia luz alguma, som algum – exceto o da respiração ofegante que adivinhava ter. As mãos, invisivelmente, teciam a colcha, costuravam seus pedaços com fios roubados de Ariadne – era sua culpa o atordoamento de Teseu, e isso lhe dava prazer, o prazer das respostas. Mas os pés se moviam e algo continuava calculando: sim, era a direção da cama e ela tinha os retalhos ainda semicosturados. Os sonhos libertavam pedaços de vida vermelhos e amarelos. Acordada, tudo era em tons de azul-anil-violeta. A cama a alcançou. Ao contato, a colcha se desfez, novamente, em retalhos soltos, que só se deixariam costurar na antecâmara onde se espera a morte (ou talvez um sono menos profundo). Apneia, apneia a ajudaria a retomar a colcha, ainda via fiapos da linha solta dos retalhos invisíveis. Não, o soro estabilizara a pressão arterial, as luzes todas se acenderam, chamando-a novamente à vida. Sons voltavam a ofuscar sua anti-respiração. A apneia era impossível com os pulmões vivos, sugando o ar contra sua vontade. A colcha era só um amontoado de fios e trapos, não se podia juntá-los com as luzes acesas. Nada mais fazia sentido, as respostas que a costura invisível lhe dera foram todas apagadas com o (re)acender da vida. Buzinas, exclamações de alívio, risos, cada expressão lhe tirava um fio de entre os dedos. A cada vez que ouvia “Lena!”, de alguém aliviado com seu retorno, um ponto da costura se desfazia. Já afastada da possibilidade de óbito, olhava a morte nos olhos e pensava: então era isso? Morrer era só isso? Morreria com respostas coloridas costuradas magistralmente por suas mãos? Mas a morte, em resposta, com um sorriso malicioso, murmurava: viveria com os retalhos descontínuos e sem fio que os ligasse? Sim, Lena viveria. Quando cansasse da busca, seria hora de reutilizar seu fio dourado. Ao menos, já não temia o labirinto.