Vinham de lados opostos na escada rolante. Ele, confuso em meio à multidão. Ela, distraída. Pareciam existir segundo regras próprias, num fluxo de estranheza que ressaltava suas particularidades. No encontro, não se viram. Não sabiam que se procuravam. Eugênio, numa olhada descuidada para trás, a viu. Ao longe. Não, não a ela, ao movimento no shopping. Através da lente dos óculos dela, reconhecia cores e paisagens que não via a olho desarmado. Quando a perdeu de vista, esteve, pela primeira vez, desnorteado.
[O veredito.]
- Por isso você tem tantas dores de cabeça.
- Qual é o problema, doutor?
- Precisa de óculos, meu jovem. Você tem hipermetropia. Só vê bem as coisas que estão longe.
- hum...
- Sua visão é distorcida, o que você vê não corresponde à realidade. E o que merece atenção passa por você, despercebido. Até que esteja longe.
[[Pra que inventar um nome pra uma coisa que todo mundo tem? Só se vê bem de longe, é da condição humana...]]
- Veja, aqui está o seu globo ocular. Aqui é a retina. O normal é a imagem se formar neste ponto. No seu caso, ela só se forma aqui. Um míope tem todo esse efeito ao contrário, vê bem de perto e mal de longe.
[[É normal ter hipermetropia, doutor. Ou miopia. O que vale a pena ver sempre está perto demais - e é indistinguível- ou longe - e se torna inalcançável.]]
- E os óculos podem ajustar as coisas?
- Sim, o único incômodo são as molduras que a armação constrói. Mas com o tempo a pessoa se acostuma. Aqui está sua receita.
[[Toda visão é emoldurada, doutor. Todos tentam desesperadamente corrigir as distorções...]]
[Armadilhas pós-armação:]
[[A vida é desconhecida e familiar ao mesmo tempo. Muitas cores, muita gente, muito barulho. Tudo assusta e acalenta. Emoldurar dá segurança e controle. Em outras palavras, ilude.]]
[Dejá vu:]
Vinham de lados opostos na escada rolante. Ele, confuso em meio à multidão. Ela, distraída. Pareciam existir segundo regras próprias, num fluxo de estranheza que ressaltava suas particularidades. No encontro, não se viram. Não sabiam que se procuravam. Ele, numa olhada descuidada para trás, a viu, ao longe. Não, não a ela, ao movimento no shopping. Através da lente dos óculos dela, reconhecia cores e paisagens que não via a olho recém-armado. Quando a perdeu de vista, Eugênio se sentiu, pela primeira vez, acalentado. A sobreposição de lentes não o assustava. A vertigem até que era atraente.
[Art noveau:]
Na saída, chuva fina. Eugênio, mãos nos bolsos, sorria ao caminhar entre as minúsculas lentes que lhe caíam sobre os óculos. Trazia nos olhos um brilho recém-desarmado.
- Qual é o problema, doutor?
- Precisa de óculos, meu jovem. Você tem hipermetropia. Só vê bem as coisas que estão longe.
- hum...
- Sua visão é distorcida, o que você vê não corresponde à realidade. E o que merece atenção passa por você, despercebido. Até que esteja longe.
[[Pra que inventar um nome pra uma coisa que todo mundo tem? Só se vê bem de longe, é da condição humana...]]
- Veja, aqui está o seu globo ocular. Aqui é a retina. O normal é a imagem se formar neste ponto. No seu caso, ela só se forma aqui. Um míope tem todo esse efeito ao contrário, vê bem de perto e mal de longe.
[[É normal ter hipermetropia, doutor. Ou miopia. O que vale a pena ver sempre está perto demais - e é indistinguível- ou longe - e se torna inalcançável.]]
- E os óculos podem ajustar as coisas?
- Sim, o único incômodo são as molduras que a armação constrói. Mas com o tempo a pessoa se acostuma. Aqui está sua receita.
[[Toda visão é emoldurada, doutor. Todos tentam desesperadamente corrigir as distorções...]]
[Armadilhas pós-armação:]
[[A vida é desconhecida e familiar ao mesmo tempo. Muitas cores, muita gente, muito barulho. Tudo assusta e acalenta. Emoldurar dá segurança e controle. Em outras palavras, ilude.]]
[Dejá vu:]
Vinham de lados opostos na escada rolante. Ele, confuso em meio à multidão. Ela, distraída. Pareciam existir segundo regras próprias, num fluxo de estranheza que ressaltava suas particularidades. No encontro, não se viram. Não sabiam que se procuravam. Ele, numa olhada descuidada para trás, a viu, ao longe. Não, não a ela, ao movimento no shopping. Através da lente dos óculos dela, reconhecia cores e paisagens que não via a olho recém-armado. Quando a perdeu de vista, Eugênio se sentiu, pela primeira vez, acalentado. A sobreposição de lentes não o assustava. A vertigem até que era atraente.
[Art noveau:]
Na saída, chuva fina. Eugênio, mãos nos bolsos, sorria ao caminhar entre as minúsculas lentes que lhe caíam sobre os óculos. Trazia nos olhos um brilho recém-desarmado.
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