sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Colcha de Retalhos

A vida é uma colcha de retalhos
Costurados apressadamente
Uns aos outros.

Alguns lembram tecidos nobres,
Que adornariam princesas
Se inteiros pudessem ser...

Outros revelam-se farrapos,
Que se negariam a cobrir
Qualquer porção de um corpo qualquer...

Unimos todos os sonhos desfeitos,
Belos e suntuosos,
Aos insucessos e malogros,
Que um dia ousamos sofrer.
E faz-se a colcha de retalhos da vida.
Faz-se só, faz-se por si,
E de nós só exige o ato vil de costurar
Seus pedaços uns aos outros.

Carregamos os retalhos do que a vida nos deu
E com eles cobrimos o que não nos sobrou...
Carregamos e cobrimos,
Acreditando ser colcha
O que nunca foi mais que nosso santo sudário.

domingo, 6 de setembro de 2009

Castanholhar

Hoje uma cor do mundo me chamou a atenção: era o castanho-claro dos olhos de um jovem cego. Eu estava no ônibus, com os olhos postos na paisagem que mudava velozmente, quando senti sua mão tocar meu ombro e ouvi a pergunta: “Sabe me dizer que horas são?”. Desnorteada com a interrogação repentina e com o olhar penetrante e belo que o rapaz sequer sabia que possuía, respondi que não, não tinha relógio. É um hábito antigo: não uso relógio, detesto a escravidão ao tempo. O tempo é o único no planeta a desfrutar da eternidade e parece fugir do tédio cortando aos poucos o fio de nossas vidas. Nada escapa dele. Nem os belos olhos do rapaz escapariam... Meu coração encolheu-se numa dor profunda ao discernir que o jovem não via e nunca veria, provavelmente, a beleza de seus olhos. Talvez, se não fosse cego, conseguisse introduzir seu tom castanho-claro nos seres ao redor, captando-lhes a profundidade. Não duvido que viesse a possuir uma das chaves da compreensão humana. Parecia ter sido punido por essa capacidade... Ele desceu do ônibus tateando o chão com sua bengala e driblando os obstáculos que apareciam. Quem sabe estaria ciente do olhar que trazia... Ou será que se concentrava no problema mais imediato de não poder ver? Na tristeza de não saber que as cores dos olhares variam? Mas agora não me refiro mais ao jovem cego, refiro-me a mim e à parcela da humanidade que não enxerga suas próprias belezas... Refiro-me aos que têm, como eu, a tendência de concentrar-se nos defeitos que possuem e nos obstáculos que não transpõem por covardia. Refiro-me àqueles que apenas nos momentos de pouca iluminação percebem que são cegos num sentido mais grave... E que serão igualmente traspassados pela espada do tempo, descobrindo tarde demais que possuem tanto e que viveram tão pouco.