...Luísa viu por dentro dele. Tinha esse poder misterioso às vezes. Olhou a fotografia e enxergou o quanto ele ainda amava Maria: na imagem, ela se encostava de leve em seu paletó e imprimia, com letras douradas, o tamanho daquele amor que era só dele. Só dele. Sem ela. Sem eles. E era um amor tão grande e sufocante que o pensamento de Luísa entoava, involuntariamente, um hino – gigante pela própria natureza, és belo, és forte, impávido colosso, e teu futuro espelha essa grandeza... Ela viu por dentro da foto: era Apolo com Dafne, embora pintados de outras cores... Luísa parecia ver Apolo, o deus da poesia, senhor das flechas, da música e da beleza, diante de si. À sua frente, brincava Cupido com suas pequenas flechas cruéis. E ali, diante de Luísa, travava-se a lendária discussão entre os dois deuses sobre quem era o senhor das flechas. Apolo gabava-se de derrotar com elas o monstro-serpente de Píton. Mas Cupido, que herdou da mãe o poder de ser extremamente cruel, nada respondeu. Apenas apontou seu arco na direção de Apolo e disparou sua flecha mais afiada. O projétil atravessou o peito do poeta e saiu-lhe pelas costas, mas, como era de se esperar de uma flecha do Cupido, não o matou – apenas feriu-o profundamente de amor. Com outra flecha, de ponta arredondada e capaz de inspirar a repulsa pelo amor oferecido, Cupido atingiu Dafne. Luísa via e não podia negar que a poesia pontilhava o ar neste momento. Dafne não oferecia esperanças de amor a Apolo, por mais belos que fossem seus poemas. E Luísa, que já havia sido atingida em outras ocasiões por flechas arredondadas e pontiagudas, causando e sentindo o sofrimento, só agora percebia que o projétil que cruzara o corpo de Apolo não parara até atingir seu próprio peito. O sangue manchava a roupa dela e era difícil acreditar que isso lhe havia acontecido. Já por um bom tempo tentava esquivar-se das flechas pontudas que varavam os ares. Falhara, não conseguira esquivar-se desta. Conta o mito que Dafne, cansada de fugir, transformou-se numa árvore, um loureiro, do qual Apolo retirava folhas e trançava como coroa – rei de si, coroado de lembranças. Mas Luísa não chegou a ver isso. Olhava a foto, Apolo e Dafne davam lugar a Maria e ele. E, apenas em sua roupa, algumas gotas de sangue ainda pingavam...
Malditas flexas de Cupido... desgraçado!
ResponderExcluirO texto, como sempre, belo!
Beijos Lí!
MH
Que texto inspirador professora, maravilhosamente belo tal quais os textos que a sra. nos mostra nas aulas. Senti uma forte influência de Eliane Brum nas suas frases. :D
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