sábado, 30 de maio de 2009

Rua da Soledad

As inúmeras impossibilidades da vida... O que seríamos se fosse possível? Há coisas grandes, grandes demais para sequer sonhar em nascer. Uma dessas é agora minha cama: estou deitada sobre a solidão. Sempre me tocou muito o nome de uma rua do Recife: Rua da Soledad. Morar numa rua com este nome deve ser muito triste. Mais triste, porém, é quando a rua é que habita o ser. Trago em mim uma infinita Rua da Soledad, ladrilhada e silenciosa. Pelas adjacências da minha rua passam milhares, dezenas de milhares, de pessoas o tempo todo. Ninguém se atreve a pisar nos ladrilhos da Soledad. Mas há explicação: minha rua é escura, negra como a noite, e vez ou outra, o vento que passa girando, assobia de pavor. Por isso, ninguém a habita e nela não se ouve mais que o assobio do vento assustado e não se vê mais que o negrume da noite sem estrelas. Ah, nesta rua, porém, chove com regularidade, o que torna o solo muito fértil. Há rosas, lírios, violetas, muitas violetas... Há baobás e paus-brasil. Ninguém, no entanto, consegue observar nada, por causa da escuridão. Chego a pensar que o vento não assobia de susto, mas de encanto. Só ele conhece os mistérios belíssimos da Rua da Soledad. Deve ser por isso que continua passando. Visita todos os dias a rua silenciosa, mas esta nem o nota, tão sozinha se habituou a ser... Tem tantas coisas a mostrar e toda a solidão do mundo a tolhê-la... Ah, Rua da Soledad, um dia até o vento há de te abandonar de tanto que não respondes. Mas nem neste dia deixarás de ser a dona de tuas enormes violetas perfumadas, aquelas que escondes simplesmente por não saberes como mostrá-las aos outros.

2 comentários:

  1. Tem umas imagens poderosas... e sinistras.

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  2. Não resisti: "Na minha vila, a única vila do mundo, as mulheres sonhavam com vestidos novos para saírem. Para serem abraçadas pela felicidade. A mim, quando me deram a saia rodada, eu me tranquei em casa. Mais que que fechada, me apurei invisível, eternamente nocturna. (...) Agora, estou sentada, olhando a saia rodada, a saia amarfanhosa, almarrotada. E parece que me sento sobre a minha própria vida." (M.C.).

    Faço minhas as palavras de Heber, hein?

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