domingo, 6 de setembro de 2009

Castanholhar

Hoje uma cor do mundo me chamou a atenção: era o castanho-claro dos olhos de um jovem cego. Eu estava no ônibus, com os olhos postos na paisagem que mudava velozmente, quando senti sua mão tocar meu ombro e ouvi a pergunta: “Sabe me dizer que horas são?”. Desnorteada com a interrogação repentina e com o olhar penetrante e belo que o rapaz sequer sabia que possuía, respondi que não, não tinha relógio. É um hábito antigo: não uso relógio, detesto a escravidão ao tempo. O tempo é o único no planeta a desfrutar da eternidade e parece fugir do tédio cortando aos poucos o fio de nossas vidas. Nada escapa dele. Nem os belos olhos do rapaz escapariam... Meu coração encolheu-se numa dor profunda ao discernir que o jovem não via e nunca veria, provavelmente, a beleza de seus olhos. Talvez, se não fosse cego, conseguisse introduzir seu tom castanho-claro nos seres ao redor, captando-lhes a profundidade. Não duvido que viesse a possuir uma das chaves da compreensão humana. Parecia ter sido punido por essa capacidade... Ele desceu do ônibus tateando o chão com sua bengala e driblando os obstáculos que apareciam. Quem sabe estaria ciente do olhar que trazia... Ou será que se concentrava no problema mais imediato de não poder ver? Na tristeza de não saber que as cores dos olhares variam? Mas agora não me refiro mais ao jovem cego, refiro-me a mim e à parcela da humanidade que não enxerga suas próprias belezas... Refiro-me aos que têm, como eu, a tendência de concentrar-se nos defeitos que possuem e nos obstáculos que não transpõem por covardia. Refiro-me àqueles que apenas nos momentos de pouca iluminação percebem que são cegos num sentido mais grave... E que serão igualmente traspassados pela espada do tempo, descobrindo tarde demais que possuem tanto e que viveram tão pouco.

2 comentários:

  1. Muito lindo o texto, Miss Violet! =)Bem interessante (para não dizer "cara"?) sua visão acerca do tempo! E, por co-incidência (!), ouvia:

    "Perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom./ Daqui não/ Eu vivo a vida na ilusão, entre o chão e os ares/ Vou sonhando em outros ares, vou/ Fingindo ser o que já sou/ Mesmo sem me libertar eu vou.../ É, Deus, parece que vai ser nós dois até o final/ Eu vou ver o jogo se realizar de um lugar seguro.../ De que vale ser aqui? De que vale ser aqui? Onde a vida é de sonhar? Liberdade." (M.C.)

    Ah!: quem dera se todos os "momentos de pouca iluminação" durassem, ao menos, o tempo de textos como esse...

    Beijo!

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  2. Belas imagens do tempo (um tanto cruel ele...). Quanto a enxergar as próprias belezas, os outros contribuem pouco nisso quando você não é uma unamidade que aparece na TV todo dia — ou seja, é difícil de fazer sozinho.

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