quinta-feira, 4 de junho de 2009

O perfume do caos

O perfume persistia já havia quatro dias. Não estava no mundo lá fora, não estava em meu corpo, nem em minhas roupas, não residia em meus cabelos. O cheiro me vinha de dentro e, tal como uma música repetida até a exaustão, me levava à beira de um abismo do qual eu poderia cair em duas direções: loucura ou desilusão. Porém, pelo que se mostrava aos meus sentidos, nem a queda nem as suas conseqüências me libertariam das partículas odoríferas que se desprendiam de alguma parte de mim em direção a mim mesma. Tudo começou quando sentou ao meu lado no ônibus um rapaz que pelo físico, pelas cores e, sobretudo, pela imagem que já havia em mim, me fez pensar no dono do perfume que há quatro dias fere-me o olfato (e não só o olfato... quem me conhece sabe que um sentido nunca é afetado sozinho em mim). O perfume do caos desordenava minha vida como nunca outro aroma ousara fazer. Eu parecia ter desenvolvido – ou me conscientizado de possuir – um olfato paralelo: com ele o cheiro das coisas e pessoas próximas ainda eram sentidos o suficiente para me permitir uma existência razoavelmente normal. Enquanto escrevo esta crônica, que de crônica não tem nada além do rótulo que lhe quero dar, enquanto escrevo, o perfume do caos continua aqui. Sentou-se ao meu lado, colou-se ao meu braço direito, postou-se no lugar da minha sombra e não me deixa. Não me deixará, talvez... Faz já quatro dias! Como explicar que falhem os mecanismos biológicos que determinam a acomodação sensorial ante um estímulo repetido à exaustão? Se alguém espetasse em minha face agulhas finas, em menos de quatro minutos a pele, insensibilizada, já não sentiria dor. Mas há quatro dias inteiros um perfume invisível me espeta as sensações e em nada se dilui. É cheiro de gente, de ser humano, de homem do qual se gosta mais do que se deveria... É cheiro do olhar invisível do ser amado postado, com indiferença, sobre mim.

Um comentário:

  1. Bom texto escrito praticamente no presente, coisa difícil de se fazer na minha opinião. Além disso, tem uma idéia (gosto do acento) interessante de aroma...

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