quarta-feira, 10 de março de 2010

Explosão de vida

Eureka! A grande descoberta aconteceu. Enfim entendia como tudo funcionava. Entendia que seu comportamento incomum era previsível. Vivia num mundo dado às aparências, que não percebia os seres humanos como estes são: seres pulsantes, com sangue, coração e cérebro. Com um pouco mais talvez. Era uma pessoa, enfim reconhecia isso. E, como pessoa, existia muito mais para dentro do que para fora. Se estava mais preocupada com o que trazia por dentro é que havia em si algo que julgava de valor maior do que o que trazia em seu exterior. Cultivara seu lado de dentro durante anos, tornara-o o mais limpo e perfumado possível, polira-o e até orgulhava-se de possuí-lo. Gostaria de mostrar seu trabalho à fatia de humanidade que a cercava... Porém alguns estavam simplesmente ocupados demais em lustrar seu exterior e já não conseguiam adentrar nas profundezas das pessoas. Além disso, como havia gasto muito tempo trabalhando em seu lado avesso, esquecera-se de polir um pouco o lado de fora – e pagava o preço por isso: onde tudo é brilho externo, quem é baço não pode ser notado. Sentia-se como se vivesse no lugar errado, um ser extraterrestre. E descobria, com tristeza, que sequer aprendera como polir-se por fora... Como um ser humano podia viver escondido em seu interior, de onde apenas espiava e amava os outros seres? O esconderijo interno, antes opção sua, agora tornava-se cativeiro. Simplesmente não sabia existir para fora. Era, aos olhos do mundo, corcunda e só a torre que trazia em si parecia-lhe segura. Assim encarava os olhares que recebia ao aventurar-se fora do esconderijo, assim os interpretava – pois na sua solidão havia-se acostumado a não perguntar, a achar as respostas em si, mesmo para coisas alheias. Com o passar do tempo, seu refúgio interno estava se tornando cada vez mais apertado, ela temia um dia já não caber dentro dele. Por isso, ainda temerosa do mundo lá fora, encolhia-se a apertava-se em seu pequeno interior abarrotado de luzes. Até que um dia, seu invólucro não resistiu e rompeu-se, espalhando por todos os lados as luzes multicoloridas que havia reunido dentro de si durante a vida. Por um segundo o mundo parou, tão grande foi o estrondo e a luminosidade emitida: alguém a amava... E, ao romper da cápsula, apareceu uma figura de mulher que brilhava ofuscantemente. Sim, ela existia. E tornara-se, enfim, visível.

Um comentário:

  1. Bom texto. Forte, conciso e subjetivo. Gostei da estrutura de adágio: "onde tudo é brilho externo, quem é baço não pode ser notado", ressaltada ainda mais pelo fato de que o baço é quase sempre o mais esquecido dos órgãos vitais... hehehe.

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