quarta-feira, 22 de julho de 2009

Ego

Descobri meu monstro! E me assustei ao ver em seu rosto meus lábios fechados, minha testa interrogativa, meu queixo contraído. Até então eu só conhecia a existência teórica dessa criatura que me expôs, de chofre, o putrefacto de mim. Caiu sobre mim ou caí sobre ela? Olho-a de relance nos espelhos que me refletem e estranho não ter percebido sua chegada. Será possível que veio de repente? Vai ficar para sempre? Assusto-me diante de mim. Há a sombra da criatura por todos os lugares que freqüento. Sim, sua sombra: quebrei os espelhos, mas não me livro da sombra. Existia já em mim tamanha aberração? Existia já em mim tamanha aberração. Existia já em mim tamanha aberração! “Ninguém é bom, exceto um só”, dizia Cristo. E eu não sou muito parecida àquele um. Minha bondade esbarra na sombra de meu monstro. Nunca o mirei no fundo dos olhos, posso ser aprisionada por seu olhar. Mas, num relance, fui olhada. Ele é eloqüente, mordaz e cínico. É sarcástico e ferino. Devora tudo, especialmente a mim. Meu monstro se chama Ego e não entende nada de psicanálise. Tem nome latino, de guerreiro romano que não sabia Latim, mas dominava à dura força os falantes de outras línguas.

Um comentário:

  1. Muito bom texto, interessante a gradação interrogação-afirmação-exclamação. Beijo.

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