segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nada é pior do que comer sozinho

... E havia o retrato de casamento. Estava posto sobre um móvel central, numa moldura bonita, onde todos os olhares poderiam pousar sobre a imagem. Um retrato prezado de casamento que já dura décadas... Estava ali por um motivo simples: sua presença não causa dor. Sua presença não aponta um dedo cruel que diz: “você está errado”, nem um dedo hipócrita que finge acreditar que está certo. O retrato transmite a beleza de um momento que se expande, cujas conseqüências existem até hoje e sorriem umas para as outras. É terno o eterno retrato. E raro. Conheço gente que tira os retratos da sala ao menor contato com a dor. Há quem não tenha coragem suficiente para rasgá-los ou negar-lhes o direito à moldura, mas que os coloca na parede mais esquecida, dificultando o olhar das visitas – se ainda há visitas... – e o seu próprio olhar. No entanto, a existência dos retratos permanece... Apenas suas conseqüências não sorriem tanto, nem para si nem umas às outras. A parede invisível tende a rachar sob o peso das lembranças felizes, soterradas, às quais não se permite o retorno. Os sorrisos amarelecem, enrugam-se. Vez por outra uma voz se levanta (é alguém que nunca viu os retratos, nem a parede oculta, nem o vácuo de um lar despedaçado) e diz: “Nada é pior do que comer sozinho”. Ah, muitas coisas o são, cara voz, inúmeras coisas o são. Comer sozinho diariamente, por exemplo. Comer entre pessoas que não se suportam e nem sabem ao certo por quê. Não comer porque o apetite foi tragado pelo peso do que se ouviu. Escutar palavras que, se fossem facas, cortariam placas de aço. Esperar que uma pequena brisa se levante e perceber apenas o bafo do deserto e do asfalto. Sentir a solidão aterradora de não ter para onde voltar, de não ter onde se esconder quando o mundo lá fora desaba. Descobrir que o refúgio é uma mera continuação do calor insuportável e das guerras malditas do mundo (e pior, saber que às vezes no refúgio o calor e as guerras são mais insuportáveis e mais malditos do que lá fora). E mais, cara voz, há mais coisas piores: Não ter a quem recorrer em busca de consolo, de alívio. E, por trazer a sensibilidade tão em carne viva, ter de chorar de dor ao menor sinal de afeto. Ah, antes comer sozinho!

3 comentários:

  1. Impressões por e-mail, Miss Violet! =)

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  2. Putz... Realmente, com um inferno na sua própria casa, é melhor arder nas chamas do mundo.

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  3. Pois é, só agora que Nadiana me mandou o link do seu blog. Ela fala tanto e tão bem de você (e isso inclui menções a você em nossas ligações de madruagadas) que fiquei curioso para poder ler seus textos. Que por sinal são lindamente sensíveis, humamente intensos. Estou degustando-os aos poucos bem "Felicidade Clandestina".
    Sobre a compilação das correspondências entre Lili e Lan, suas ponderações sobre a possível reunião destes e-mails foram bastente criativas e pertinentes.
    Pois é, vou processar Nadiana: minhas reservas econômicas estão em prol de um sujeito boa praça e muito talentoso por sinal: Mia Couto. Já adquiri três. Nadi já está até com ciúme, dizendo "eu vi primeiro, eu vi primeiro!"
    Fico feliz em saber que existe uma pessoa, que, segundo Nadi, é tão especial e que gosta tanto da minha amiga Nadiana.
    Abraços!

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